terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Sangre




"mate essa vontade de viver"

guarde esse silêncio
o mesmo
daquele espaço entre versos de um poema triste
mantenha-se atento
nessas vozes com ordens
de instinto quase militar
ainda que de olhos fechados
desperte esses sonhos
que tangenciam a realidade palpável
ainda que entorpecido
mantenha sóbrio o desejo
mesmo que sem palavras
ouça o ranger do universo em movimento
e esteja disposto
ainda que sofra
ainda que sangre
sinta

terça-feira, 13 de outubro de 2009

caro data vermibus




Morto!
Negro cadáver
de guerreiro agora não vivo
A honra lhe preenche os espaços
deixados pelo sangue e alma
expurgados na luta pela vida

Corpo!
Negro guerreiro
de todo tomado
e completamente afogado
em sua morte

Negro!
Morto guerreiro
a umidade leitosa da dor
ainda lhe molha o rosto
no corpo outrora não morto
na carne agora sem cor


terça-feira, 6 de outubro de 2009

A Vaca e o Hipogrifo




Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação. O de que eles mais gostam é estar em silêncio - um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios. Um silêncio... Este impoluível silêncio em que escrevo e em que tu me lês.


Mario Quintana

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Angústia Clandestina



tempo curvo
declinado ao medo
impérvio
o desejo lhe prende à vida
dessa forma
trôpego
o dorso amortecido pelo frio
e uma angústia
retida não se sabe como
velada
quase clandestina
tangendo o que pensas ser vontade
e súbito és tomado pela queda
e o incerto te cabe à mão
o que resta é fechar os olhos
e sentir a chuva no rosto
Foto: Carolina Noronha

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Poema de Sexta - Álcool




Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longemente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.

Batem asas de auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Descem-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo ---
Luto, estrebucho... Em vão! Silvo pra além...

Corro em volta de mim sem me encontrar...
Tudo oscila e se abate como espuma...
Um disco de oiro surge a voltear...
Fecho os meus olhos com pavor da bruma...

Que droga foi a que me inoculei?
Ópio de inferno em vez de paraíso?...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eternizo?

Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que ando delirante ---
Manhã tão forte que me anoiteceu.

Mário de Sá Carneiro - Enviado por Gal

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Rês




Tem início um movimento
impreciso

com permissões vagas

e orientação quase mecânica

possuindo cor e outros estímulos

condensados nas frações da visão

e manipulação sagaz do tempo

na busca do antigo poder do velho caçador

retendo incertezas em instantes eternos

subjugados à força da imagem

negando a estes o sossego do esquecimento

agora

de punho firme e olhos semicerrados
dispare

e guarde contigo a glória

dessa rês

que alimentará sua alma

ao longo dos anos.
Foto: Carolina Noronha

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Caramujos





Há um comportamento de eternidade nos caramujos.
Para subir os barrancos de um rio, eles percorrem um
dia inteiro até chegar amanhã.

O próprio anoitecer faz parte de haver beleza
nos
caramujos.

Eles carregam com paciência o início do mundo.
No geral os caramujos têm uma voz desconformada

por dentro.

Talvez porque tenham a boca trôpega.
Suas verdades podem não ser.
Desde quando a infância nos praticava na beira do rio
Nunca mais deixei de saber que esses pequenos
moluscos
Ajudam as árvores a crescer.

E achei que esta história só caberia no impossível.

Mas não; ela cabe aqui também.

Manoel de Barros

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

1 Grama




Se uma borboleta não tivesse vida seria um perfume...
se nós em nossa insignificante onipotência
soprassemos um pouco de vida em um grama de perfume
ele voaria e iria beijar uma flor...
se uma flor não tivesse perfume
mas tivesse borboletas ainda assim ela seria flor,
- com toda beleza que lhe cabe nessa definição...
Se um anjo cego se aproximar de um anjo perfumado,
o anjo cego beijaria o anjo perfumado e os transformaria em papoulas vermelhas...

Foto de Carolina Noronha

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Supernova


Supernova é o nome dado aos corpos celestes surgidos após as explosões de estrelas com mais de 10 massas solares, que produzem objetos extremamente brilhantes, os quais declinam até se tornarem invisíveis, passadas algumas semanas ou meses. Em apenas alguns dias o seu brilho pode intensificar-se em 1 bilhão de vezes a partir de seu estado original, tornando a estrela tão brilhante quanto uma galáxia, mas, com o passar do tempo, sua temperatura e brilho diminuem até chegarem a um grau inferior aos primeiros.

A explosão de uma supernova pode expulsar para o espaço até 90% da matéria de uma estrela. O núcleo remanescente tem massa superior a 1,5 Massas solares, a Pressão de Degenerescência dos elétrons não é mais suficiente para manter o núcleo estável; então os elétrons colapsam com o núcleo, chocando-se com os prótons, originando nêutrons: o resultado é uma estrela composta de nêutrons, com aproximadamente 15km de diametro e extremamente densa, conhecida como estrela de nêutrons ou Pulsar. Mas, quando a massa desse núcleo ultrapassa 3 massas solares, nem mesmo a Pressão de Degenerescência dos neutrons consegue manter o núcleo; então a estrela continua a se colapsar, dando origem a uma singularidade no espaço-tempo, conhecida como Buraco Negro, cuja Velocidade de Escape é um pouco maior do que a velocidade da luz.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Ainda




debaixo do pó
sem precisar de (outra) luz
não viu a lua
por noites a fio
alimentou-se
da paciência dos que sonham
esperou
de coração quiescente
num casulo de memórias tranquilas
viajando seco e firme
por dias intempestivos
às vezes em velhos trilhos
ou a esmo
em fragmentos de papeis amarelados
no silêncio de palavras escritas a mão
e hoje
numa noite de céu apagado
pede-lhe teu sangue
amargo como de um poeta antigo
para erguer-se
e sentir novamente
(em sua pele enrugada)
a força
de entregar à apatia humana
instantes de luz